O AMOR POR MALANDRAGEM
O AMOR POR MALANDRAGEM
O AMOR POR MALANDRAGEM
Quando adolescente, comparecendo às reuniões de estudo do Centro Espírita Amor e Caridade, em Bauru, ouvia os adultos comentarem a Lei de Causa e Efeito.
Diziam que passamos por determinados sofrimentos, dores, dificuldades, limitações e problemas para o resgate das dívidas de existências anteriores, quando nos comprometemos com o erro, o vício, o crime...
Alguns defendiam que se a pessoa está pagando dívidas deve entregar-se nas mãos de Deus e deixar as coisas fluírem sem reagir.
Tal idéia sempre me pareceu indigesta.
Levada às últimas consequências paralisaria a iniciativa, situando-nos na inércia.
Passando a escrever e falar sobre Espiritismo, com a obigatoriedade de estudar a Doutrina, logo percebi que se tata de um equívoco.
Basta ler, por exemplo, o tópico Provas Voluntárias, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, mensagem assinada por um Espírito protetor.
Perguntais se é lícito ao homem abrandar suas próprias provas.
Essa questão equivale a esta outra:
É lícito, àquele que se afoga, cuidar de salvar-se ?
Àquele em que um espinho entrou, retirá-lo?
Ao que está doente, chamar o médico?
As provas têm por fim exercitar a inteligência, tanto quanto a paciência e a resignação.
Pode dar-se que um homem nasça em posição penosa e difícil, precisamente para se ver obrigado a procurar meios de vencer as dificuldades.
O mérito consiste em sofrer, sem murmurar, as consequências dos males que lhe não seja possível evitar, em perseverar na luta, em não se desesperar, se não é bem-sucedido.
Nunca, porém, numa negligência que seria mais preguiça do que virtude.
Bem, amigo leitor, elementar na conceituação doutrinária que a Terra é um planeta de provas e expiações, habitada por gente dá pá virada, Espíritos orientados pelo egoísmo, a negação do Amor, lei suprema de Deus.
Defeito de fabricação? Equívoco celeste?
Nada disso! É que, adolescentes espirituais, estamos perto da animalidade, de onde viemos, distanciados da angelitude, aonde deveremos chegar.
Somos, digamos, o diamante não lapidado.
O mal em nós é o Bem que ainda não chegou.
Há trevas, porque a luz ainda não se fez.
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Dores, dificuldades e sofrimentos que enfrentamos atuam como lixas grossas a desbastarem nossas imperfeições mais grosseiras. Agitam-nos e nos depuram, estimulando a procura dos valores espirituais.
São, também, desafios a serem vencidos, favorecendo a evolução. Nascer numa favela, por exemplo, não é necessariamente um carma. Se fosse, todos seríamos favelados, em face de nossos comprometimentos pretéritos.
Não raro, o Espírito reencarna lá porque não tem outro lugar de portas abertas para o mergulho na carne.
E não está confinado. Poderá sair de lá, melhorar sua situação.
É difícil! - proclamará o pessimista.
Sim, mas longe de ser impossível. Depende de sua iniciativa, a disposição em enfrentar o desafio.
Nem todos o fazem. Há os que elegem a indolência, com o que perpetuam uma situação indesejável.
Outros fazem pior. Partem para o crime, comprometendo-se com a violência, a complicar o futuro.
Um corpo frágil,vulnerável a doenças, pode ser uma provação, mas superável se a pessoa cuidar bem dele, dentro das regras de bem-viver.
Vemos frequentemente relatos sobre crianças que nascem com graves problemas físicos, em limitações terríveis. Provação dolorosa. Não obstante, os pais buscam variados recursos da Medicina, batalham, empenham-se e conseguem dar-lhes uma condição mais confortável.
A reunião de desafetos do passado no lar, pais e filhos, marido e mulher, pode ser uma prova difícil. Nem por isso precisam viver as turras. O cultivo da compreensão, do respeito, da tolerância, do perdão, da mansuetude, sob orientação evangélica, favorecerá uma convivência saudável, sem conflitos.
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A maior parte de nossos problemas funciona como cadinho purificador da alma.
São também desafios a favorecer o desenvolvimento de nossas potencialidades criadoras.
Sem eles tenderíamos a estacionar por largos períodos nos caminhos da evolução.
Algo semelhante ocorre com a própria subsistência.
Transitamos pela Terra usando uma máquina muito especial - o corpo físico - que deve ser obrigada, protegida, alimentada, medicada, sob a égide do instinto de conservação, que favorece a perpetuação das espécies.
Para tanto, temos que trabalhar, desenvolver esforços, partir para luta.
Assim crescemos.
Isso está admiravelmente sintetizado no simbolismo bíblico.
JEOVÁ, DIRIGINDO-SE A ADÃO (GÊNESIS, 3:19):
NO SUOR DO TEU ROSTO COMERÁS O TEU PÃO, ATÉ QUE TE TORNES À TERRA: PORQUE DELA FOSTE TOMADO; PORQUANTO ÉS PÓ E EM PÓ TE TORNARÁS.
ABENÇOADO SUOR!
PORTANTO, INFELIZ NA TERRA NÃO É O QUE ENFRENTA ATRIBULAÇÕES, DIFICULDADES, LUTAS, SOFRIMENTOS, PRÓPRIOS DESTE MUNDO.
INFELIZ É QUEM DESISTIU DE LUTAR, SUCUMBINDO AO PESO DE PROVAÇÕES QUE PODERIAM FAZÊ-LO CRESCER, SE NÃO ELEGESSE A INÉRCIA.
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há situações cármicas,insuperáveis, que se exprimem numa moléstia crônica, numa deficiência física ou mental incontornável, num problema insolúvel...
- castigo divino! dizem os mal informados.
não sabem que deus não castiga ninguém. pai amoroso e justo, apenas nos corrige e educa.
a finalidade maior dessas situações é a disciplina de nosso comportamento.
a pessoa com grave problema congênito no fígado, sistema digestivo precário, não raro foi alcoólatra na vida anterior. colhe as consequências do seu comprometimento no vício. e é contido para que não ocorra a reincidência na vida atual, já que o vício atinge o corpo espiritual e poderia perpetuar-se de vida em vida, sem a medida de contenção.
aquele que tem limitações intelectuais que o situam à margem das grandes realizações no erreno da profissão e da sociedade, colhe as consequências de sua agressividade no passado, quando, como empresário,fez de sua atividade uma disputa de vida e morte, não titubeando em pisar sobre subalternos e esmagar concorrentes. e é contido em suas ambições, para os necessários ajustes.
A mulher de limitados dotes físicos indefinível sensação de solidão, colhe as conseqüências dos abusos em vida anterior, quando, de beleza esfuziante, transviou seus admiradores. E é contida em sua vaidade e na tendência de usar a beleza como instrumento de sedução.
Em situações assim, a melhor atitude seria considerar, segundo o velho ditado, que o que não pode ser remediado, remediado está.
Se temos um espinho no pé que não pode ser retirado, é melhor não mexer, habituando-nos a viver com ele, andando com cuidado para não complicar o problema.
Diga-se de passagem, a extensão e intensidade de nossos sofrimentos e angústias, diante de uma situação que não pode ser modificada, variam de pessoa para pessoa. Depende muito da postura de cada um.
Quando nos detemos sobre problemas, ruminando aflições, fatalmente somos infelizes.
Se não lhe dermos mórbida atenção, serão reduzidos a tal insignificância que jamais inviabilizarão a felicidade.
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Nesse propósito, imperioso jamais negligenciar a prática do Bem.
Ensina o apóstolo Pedro, lembrando os ensinamentos de Jesus(1 Pedro, 4:8):
Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros; porque o amor cobrirá a multidão de pecados.
Se queremos amenizar as dores da expiação ou vencer os desafios da provação, orientemos nossa vida no empenho de servir, buscando, em qualquer lugar, no lar, na rua, na profissão, na sociedade, conservar a capacidade de nos compadecermos, de nos sensibilizarmos com as dores alheias, fazendo algo em benefício do próximo, com o ardente amor recomendado pelo apóstolo.
Lembro a experiência daquela senhora que assumiu o compromisso de cuidar de uma velhinha, que morava no mesmo andar, num prédio de apartamentos. Sem filhos, sem familiares,não tinha ninguém.
Não obstante seus afazeres como dona de casa e professora, sempre encontrava tempo e disposição para cuidar da vizinha.
Fazia as compras do mercado, levava-a ao médico, comprava-lhe remédios, fazia-lhe companhia , lia para ela.
Assim foi durante vários anos, até o falecimento da velhinha.
E nos dizia a senhora:
-Não obstante a correria, nunca me senti tão feliz, tão integrada na vida, quanto naquele tempo em que cuidei de minha vizinha. Guardava a impressão de que Deus estava mais perto de mim.
Na verdade, ela estava mais perto de Deus.
Mãos estendidas no serviço do Bem são antenas que estendemos para a sintonia com as fontes da vida, a captação das bênçãos divinas.
Sugiro um teste, amigo leitor.
Eleja amanhã como o seu dia do desafio de amor, exercitando bondade.
Desde o momento em que abrir os olhos, disponha-se a só pensar e praticar o bem.
Ajude nos afazeres domésticos.
Colabore com o colega de serviço sobrecarregado.
Atenda com solicitude ao necessitado que o procurar.
Releve eventuais destemperos de alguém no trato social.
Ore por enfermos e necessitados.
Contribua para obras filantrópicas.
Mantenha o sorriso nos lábios, favorecendo a comunicação.
Interrompa o correio das fofocas e maledicências com a bênção do silêncio.
Faça assim o dia inteiro.
À noite, quando colocar a cabeça no travesseiro, garanto-lhe que sentirá tão inefável bem-estar que desejará viver assim todos os dias, amenizando provações e expiações e habilitando-se a conservar a paz em todas as situações.
Como dizia um amigo, é tão bom ser bom que se o malandro soubesse disso exercitaria a bondade por malandragem.